Brinquedo do cão |
sábado, 24 de março de 2007
A angústia, o medo, habitam a alma do crime
Edmilson Lucas da Silva era o nome de um bandido mais conhecido como Brinquedo do Cão. Tornou-se famoso em Natal nos anos 70, quando praticava assaltos, fugia, e depois mandava os amigos comprar os jornais para que ele lesse as manchetes que relatavam suas proezas.
Ele me disse isso, numa das entrevistas que mantivemos e riu, riu muito, lembrando o que considerava, no início, muito mais uma molecagem que um crime.
Agora, leio que Brinquedo foi morto na Paraíba, com um tiro de espingarda no rosto. Aparentemente, acerto de contas com traficantes.
Ainda nos anos 70, lembro, certa vez ele foi capturado e levado ao quartel da polícia militar.
Os jornalistas foram chamados, e pouco depois lá estava eu, frente a frente com aquele jovem que um padre havia apelidado de Brinquedo do Cão, tantas eram as traquinagens que ele fazia nas imediações da igreja onde o sacerdote oficiava suas missas. Como não aguentava mais aquela presença incontrolável, o padre, numa expressão de raiva, gritou: "Esse menino é um brinquedo do cão!" Pronto, nascia ali um bandido, com apelido que virou marca.
Antes de ser preso e levado à PM, sua fuga fora da Colônia Penal João Chaves, hoje demolida; e a prisão se dera poucos dias após. Baixote, expansivo, falava com clareza e tranqüilidade, ao contrário de muitos bandidos, que são monossilábicos ou então falam tão depressa que mal dá para o repórter fazer as anotações.
Ele me contou de suas desavenças com inimigos na Colônia, disse que tinha preparado um estoque, uma espécie de lâmina ou ferro pontiagudo para se defender e garantiu que não queria matar ninguém. Era somente aquilo: se defender. Fiz aquela entrevista e mais umas outras e nunca mais o vi.
Conheci muitos bandidos ao longo de minha carreira, Brinquedo do Cão foi apenas mais um. Há algo de trágico no homem criminoso, no ser humano que por qualquer motivo se devota à transgressão. Qualquer repórter que convive com essas pessoas, entra em presídios, vai a delegacias, percorre ambientes barra pesada sente isso.
Há algo de triste e deplorável na condição humana, na queda, na imersão, no afundamento, baque. Quando um repórter sai de uma penitenciária, após uma entrevista ou terminada a cobertura de um motim, leva na alma um pouco do perverso, do malévolo, do ódio e da dor. Aquilo gruda em você. É ruim. Muito ruim.
E depois de sair da frente do crime e voltar para casa o repórter, muitas vezes, quando a noite é mais escura, chora. Um choro seco, sem lágrimas, mas cheio de um soluçar que lhe pergunta: por quê?
- Emanoel Barreto
- Jornalista, professor do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN, com doutorado em Ciências Sociais. Desenvolvi a maior parte de minhas atividades junto à editoria política. Comecei, entretanto, numa grande escola, a do jornalismo policial. Publiquei o livro "Crônicas para Natal - As crônicas do Jornal do Dia". Na Universidade, tenho dedicação a disciplinas de caráter técnico. Na TV-Universitária criei, apresentei e dirigi por três anos o programa "Xeque-Mate", uma atividade laboratorial onde os alunos exercitam em estúdio a entrevista coletiva, antecedida de preparação de pauta e discussão do tema a ser abordado com o personagem da entrevista.
- Fonte: Coisas de Jornal
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